A blusa romena
Autor: António Mega Ferreira
Editora: Sextante
N.º de páginas: 241
ISBN: 978-989-8093-70-7
Ano de publicação: 2008
Num dos vários planos narrativos que se sobrepõem e cruzam em A blusa romena (para deleite de futuros exegetas), António Mega Ferreira recupera uma célebre catalogação de Isaiah Berlin, que divide a humanidade em geral – e os escritores em particular – entre ouriços e raposas. Nos ouriços tudo se orienta para «uma perspectiva central e única, para um sistema, mais ou menos coerente e articulado, em função do qual compreendem, pensam e sentem», enquanto as raposas «prosseguem vários fins, muitas vezes desconexos e até contraditórios».
A personagem central do livro, Vasco de Almeida França, é assumidamente uma raposa. Aos 32 anos, este escritor pouco conhecido vive num estado de «ansiedade grafómana». Ou seja, escreve muito, sobre os mais diversos assuntos (do cinema à música, passando pelas artes visuais), mas de forma dispersa. Embora tenha ambições literárias, mostra-se incapaz de dar sentido ao «magma» das suas «recordações e experiências». O romance que tenta escrever há vários anos – Vida de Belidor, história bloqueada de um «escritor que se faz passar por não-escritor» – é apenas um símbolo da sua impotência criativa.
É então que surge Duarte Lobo, autoproclamado caixeiro-viajante de «almas inquietas», uma espécie de anjo «acelerador de vocações» ao serviço de uma misteriosa «organização» que trabalha em esferas supra-humanas. Quando desafia Vasco a cumprir o adiado projecto de A blusa romena, ficção inspirada pelo quadro homónimo de Matisse, Duarte oferece-lhe ao mesmo tempo a matéria-prima: um esboço de enredo que tem como ponto de partida as memórias do seu envolvimento amoroso com Nádia, filha da mulher que serviu de modelo ao pintor, bem como a possível existência de uma outra versão do quadro (a «autêntica») que ninguém sabe onde foi parar. Ao morder o isco, Vasco sai por fim do impasse, conduzido e manipulado por alguém que pode muito bem ser uma projecção, um alter ego, ou o ouriço que espicaça, desde dentro, a raposa inconsequente.
O resultado é uma engenhosa urdidura onde cabe quase tudo: as duas histórias de amor em espelho (cheias de simetrias e curto-circuitos), mas também evocações de Paris e da Roménia de Ceausescu, referências eruditas (de Joyce a Schubert, de Sonia Delaunay a Espinoza), jogos metaliterários, auto-ironias e um quarteto de personagens bem desenhadas, a executarem na perfeição a sua música de câmara. Pela sua crescente importância ao longo do livro, destaco Lumena, a prostituta por quem Vasco se enamora, cuja beleza está algures entre uma Madonna de Rafael e a «terrível Judite» que decapita Holofernes num quadro de Caravaggio.
Source: Bibliotecário de Babel – O romance da raposa
António Mega Ferreira: born in Lisbon in 1949, a graduate of the Universities of Lisbon and Manchester, Ferreira started his career as a journalist since 1968 and made his mark on the literary scene since 1984 as a prominent Portuguese poet, essayist, novelist and Culture afficionado. He is actively associated with various journals such as Visao, Círculo de Leitores, Ler assinando, and the Oceanos Foundation, as well as with the Comissão dos Descobrimentos. He was Portugal’s representative at the Frankfurt Book Fair. He is president of the Foundation of the Centro Cultural de Belém.
António Mega Ferreira (Lisboa, 25 de Março de 1949), escritor e jornalista português.
Licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, após o que estudou Comunicação Social na Universidade de Manchester.
Estreou-se no jornalismo em 1968, como redactor do jornal Comércio do Funchal, passando depois pelo Jornal Novo, Expresso, O Jornal e Jornal de Letras, Artes e Ideias, de que foi Chefe de Redacção. Para além disso colaborou ainda com o diário Público e com a revista Visão. Da direcção editorial da Círculo de Leitores, criou a revista Ler assinando, depois, a fundação da Oceanos, da Comissão dos Descobrimentos. Dirigiu a representação nacional na Feira do Livro de Frankfurt, em 1997.
Iniciou a sua carreira literária em 1984 tendo publicado obras de ficção, poesia e ensaio.
Mega Ferreira liderou o lançamento da candidatura de Lisboa para a Exposição Mundial de 1998, de que foi Comissário Executivo. Administrou depois a Parque Expo, o Oceanário de Lisboa e o Pavilhão Atlântico. É presidente da Fundação do Centro Cultural de Belém.
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